domingo, 8 de dezembro de 2013

EXISTENCIAL IDADES - Outra possibilidade de andar pelas ruas: flanar




"Flanar! Aí está um verbo universal sem entrada nos dicionários, que não pertence a nenhuma língua! Que significa flanar? Flanar é ser vagabundo e refletir, é ser basbaque e comentar, ter o vírus da observação ligado ao da vadiagem. Flanar é ir por aí, de manhã, de dia, à noite, meter-se nas rodas da populaça, admirar o menino da gaitinha ali à esquina, seguir com os garotos o lutador do Cassino vestido de turco, gozar nas praças os ajuntamentos defronte das lanternas mágicas, conversar com os cantores de modinha das alfurjas da Saúde, depois de ter ouvido dilettanti de casaca aplaudirem o maior tenor do Lírico numa ópera velha e má; é ver os bonecos pintados a giz
nos muros das casas, após ter acompanhado um pintor afamado até a sua grande tela paga pelo Estado; é estar sem fazer nada e achar absolutamente necessário ir até um sítio lôbrego, para deixar de lá ir, levado pela primeira impressão, por um dito que faz sorrir, um perfil que interessa, um par jovem cujo riso de amor causa inveja. É vagabundagem? Talvez. Flanar é a distinção de perambular com inteligência. Nada como o inútil para ser artístico. Daí o desocupado flâneur ter sempre na mente dez mil coisas necessárias, imprescindíveis, que podem ficar eternamente adiadas. Do alto de uma janela como Paul Adam, admira o caleidoscópio da vida no epítome delirante que é a rua; à porta do café, como Poe no Homem da Multidões, dedica-se ao exercício de adivinhar as profissões, as preocupações e até os crimes dos transeuntes. É uma espécie de secreta à maneira de Sherlock Holmes, sem os inconvenientes dos secretas nacionais. Haveis de encontrá-lo numa bela noite numa noite muito feia".

JOÃO DO RIO. A alma encantadora das ruas.  Ministério da cultura. Fundação biblioteca Nacional. Departamento Nacional do Livro.In:http://objdigital.bn.br/Acervo_Digital/livros_eletronicos/alma_encantadora_das_ruas.pdf .

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

EXISTENCIAL-IDADES - Cidade e desejo

" É uma cidade igual a um sonho: tudo o que pode ser imaginado pode ser sonhado, mas mesmo o mais inesperado dos sonhos é um quebra-cabeça que esconde um desejo, ou então o seu oposto, um medo. As cidades, como os sonhos, são construídas por desejos e medos, ainda que o fio condutor de seu discurso seja secreto, que as suas regras sejam absurdas, as suas perspectivas enganosas e que todas as coisas escondam uma outra coisa"

"(...) casa pessoa tem em mente uma cidade feita exclusivamente de diferenças, uma cidade sem figuras e sem forma, preenchida pelas cidades particulares."

CALVINO, Ítalo. As cidades invisíveis.



terça-feira, 9 de julho de 2013

MUSICAL IDADES: Desconforme-se

CONFORMÓPOLIS DESCONFORMANDO-SE




A cidade acorda e sai pra trabalhar
Na mesma rotina, no mesmo lugar
Ela então concorda que tem que parar
Ela não discorda que tem que mudar
Mas ela recorda que tem que lutar

Condução lotada, apertada, de pé
A cidade desce no largo da Sé
Mecanicamente ela mostra ter fé
Na proximidade de um dia qualquer
E na liberdade ela toma um café

Escritório, chefe, o cartão pra marcar
O magro sanduíche engolido num bar
Ela então desperta, ela tenta gritar
Contra o que lhe aperta e que lhe faz calar
Mas ela deserta começa a chorar

sexta-feira, 24 de maio de 2013

EXISTENCIAL IDADES - Não ter tempo

" Nossas rugas são assinaturas das grandes paixões que nos estavam destinadas, porém não estávamos em casa".

Walter Benjamin

Com o advento metropolitano contemporâneo o tempo nos falta porque deixamos que outros o administre.

A une passante, poema de Charles Baudelaire:




A uma passante

A rua em derredor era um ruído incomum,
longa, magra, de luto e na dor majestosa
Erguendo, balançando o festão e o debrum;

Nobre e ágil, tendo a perna assim de estátua exata.
Eu bebia perdido em minha crispação
No seu olhar, céu que germina o furacão,
A doçura que embala o frenesi que mata.

Um relâmpago e após a noite! - A érea beldade,
E cujo olhar me fez renascer de repente,
Sé te verei um dia e já na eternidade?

Bem longe, tarde, além, jamis provavelmente!
Não sabes aonde vou, eu não sei aonde vais,
Tu que eu teria amado - o o sabias demais!

Charles Baudelaire
Tradução: Paulo Menezes

CURIOS IDADES - Surrealismo e o empurrão pra esquerda

O grupo surrealista em 1930. Da esquerda para a direita: Tristan Tzara, Man Ray, Salvador Dalí, Hans Arp, Paul Éluard, Yves Tanguy, Max Ernest, André Breton, René Crevel



"Pensar na atividade humana me faz rir" - essa manifestação de Aragon mostra de maneira bastante nítida o caminho que o surrealiosmo teve de percorrer, de suas origens até sua politização. Com razão caracterizou Pierre Neville, que pertencia originalmente a esse grupo, em seu excelente texto, La révolution et les intellectuels, esse desenvolvimento como dialético. A hostilidade da burguesia contra toda manifestação de liberdade espiritual desempenha um papel decisivo nessa transformação de uma atitude extremamente contemplativa em uma oposição revolucionária. Foi essa hostilidade que empurrou o surrealismo para esquerda.(...)"

BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura; tradução Sérgio Paulo Rouanet - 8 ª Ed. revista - São Paulo: Brasiliense, 2012 - (Obras escolhidas v. 1)

quinta-feira, 21 de março de 2013

EXISTENCIAL IDADES - A que será que se destina?


"(...) Os homens, em sua maioria, levam vidas de sereno desespero. O que se chama resignação é desespero crônico. Vão das cidades sem perspectiva para o campo sem futuro, e terminam por se consolar com a valentia das martas e dos ratos almiscareiros. Uma desesperança estereotipada mas inconsciente esconde-se mesmo sob os chamados jogos e diversões da humanidade. Não há graça neles já que sucedem ao trabalho. Entretanto, manda a sabedoria não se desesperar com as coisas.
Quando consideramos aquilo que, para usar as palavras do catecismo, é a principal finalidade do homem, e em que consistem as verdadeiras necessidades e recursos da vida, tem-se a impressão de que os homens elegeram deliberadamente seu habitual modo de viver porque o preferiram a qualquer outro. No entanto, pensam honestamente que não há opção, se bem que espíritos altivos e saudáveis dêem-se conta de que o sol nasce todas as manhãs e de que nunca é tarde demais (...)"

Thoreau, Henry David, 1817-1862 Walden, ou, A vida nos bosques ; e, A desobediência civil / Henry D. Thoreau; tradução Astrid Cabral. - 7.ed. - São Paulo : Ground, 2007. p.3